Uma entrevista de emprego e um rinoceronte

Há muito tempo que este operador gostava de partilhar a sua aventura de jovem entusiasta pela busca de emprego, acabadinho de sair da universidade com zero noção do mundo profissional e que sabia mais de pensadores mortos do que vizinhos e pessoas vivas em geral.

Datava de 2009 quando anúncios como o que se segue eram “mato”:

“Empresa multinacional com sede em Lisboa, abre filiais em Barcelos, Guimarães, Braga, Santo Tirso. Procuram jovens dinâmicos com capacidade de liderança, força de argumento, bons conhecimentos de inglês, informática na ótica do utilizador. Oferecemos salário acima da média”.

Tradução:

“Temos um escritório em Lisboa vendemos cenas e distribuímos panfletos e procuramos um tipo de 40 anos, que lhe vamos dar um status de “manager” e queremos que ele recrute putos (que eventualmente vão falar com mais putos), que se forem retardados vão querer ter um escritoriozinho e mais tarde usar a palavra “manager”, que não se importem de vender cenas nas portas da sua terra e que sejam suficientemente estúpidos para pensarem que um dia vão ganhar dinheiro com aquilo. Tudo isto a recibos verdes e fazemos um fim de semana algures e vão – imagine-se – vender cenas, mas noutras terrinhas, no entanto pensam que lhes estamos a dar um prémio. E não precisam do inglês para nada, não se preocupem”.

O que sucede em seguida é que com a gana de arranjar emprego a todo o custo, manda-se o currículo e, na meia hora seguinte, alguém liga a dizer que fomos selecionados para uma entrevista. Atenção: em nenhuma altura aqueles putos estúpidos (portanto, este operador) pensam “espera lá que em meia hora é meio difícil fazerem algum tipo triagem”. 

E a malta vai toda contente ver o que têm estes senhores para dizer.

Este operador vai para aquela que seria a primeira entrevista de emprego da sua vida. 

Não o deixam entrar de imediato. 

À porta tinham aí uns 20 putos estúpidos e mais 3 ou 4 quarentões com um aspeto de “já tentei tudo na vida mas não deu certo”. O que estranhou não foram os putos estúpidos, porque como este operador era um pouco verdinho, aquilo pareceu normal. O estranho foram os quarentões. 

Essa malta entrou toda e cumprimentavam-se todos com um gesto muito deles, tipo um cumprimento de trupe que só os “fixes” é que tinham. Eles saem passados uns 10 minutos e uma senhora chama este operador. 

Tinha muito bom ar, assim aquele ar formal e calçava sabrininhas e tinha um blazer que é aquela indumentária de senhora responsável, como toda a gente sabe. Contou a história dela de que era enfermeira, mas a dada altura resolve mudar de vida e finalmente estabelecer-se e agora era a “manager” – WOWWWWWWW – daquele sítio que vende cenas. Conta também que até chegar ali foi considerada a melhor “team leader” – UAUUUUUUUUUU. Fonix, nem sabia bem o que era aquilo, mas era estrangeiro e por isso dá-se crédito.

Depois de descrever o seu percurso a senhora explica que este operador não pode entrar logo, porque todos os dias a equipa que ela liderava – porque esta malta é toda boa nas cenas da liderança – tinha que ter um “briefing” – e o cérebro crashou com mais um termo em inglês de uma atividade que nem ela sabia o que queria dizer.

Então, inocente, perguntou este operador, se haveria alguma coisa que tivesse suscitado dúvidas no currículo e ela disse para não haver pressas, porque tinha um dia preparado com – reparem nisto – as melhores colaboradoras dela para exposição detalhada do dia de trabalho da equipa.

O operador e mais duas meninas saem pelas ruas de Barcelos fora e tal como numa excursão, a cada número de porta, a “melhor” colaboradora dizia que tinha conseguido contratos para aquele quarteirão ou bloco de prédios e a outra menina enfatizava o discurso dizendo “a Mimi realmente a vender é a melhor de nós todas e eu tenho muito orgulho em fazer este caminho com ela”. 

Não que “zangado” fosse a melhor palavra para definir o que estava a acontecer, mas logicamente que a cara de um órgão mais abaixo onde partir daí, as fezes são eliminadas para fora do corpo, estava a ser difícil de disfarçar.

“Uma das grandes vantagens do nosso trabalho é que nós controlamos o nosso dia e como te temos connosco vamos ali para o café e falamos um bocado porque não te queremos assustar com a nossa dinâmica” dizia a melhor colaboradora. Ela esclarece que tirou um curso não-sei-onde de não-sei-o-quê (ao que parece fazia cãezinhos com balões de encher daqueles tipo salsicha e percebia imenso de sociologia e psicologia e pessoas, por isso agora é adivinhar qual era o curso) mas que percebeu cedo que não valia a pena insistir num mundo injusto quando ela sabia que podia ir mais longe. 

Surge o pensamento “todos temos direito à vida, e o ar é de todos, mas se no final de um curso superior as capacidades fossem essas até este operador era capaz de pensar o mesmo, mas há outros caminhos e não vale desistir por tão pouco”.

A colega mete-se e diz que “eu também não quis mais e foi a Não-sei-quem (a responsavelzona do sítio que ficou na secretária e mandou os putos vender cenas) que acreditou em mim”. Este operador perguntou, “mas não te dá para voltares a tentar?”. Óbvio que a pergunta foi estúpida quando se ouve a seguinte resposta:

“estás a ver este Rinoceronte no meu peito?” (era um pin só para esclarecer), eu lutei muito para chegar a este nível, aos dias de hoje já recebi este prémio e já sou formadora e por isso estou contigo hoje e serei eu quem te vai ajudar. Este Rinoceronte só se consegue após um certo número de vendas e pah, isto para mim é uma conquista, entendes? É sinal de que estou a ir no caminho certo”.

Nesta altura, a região glútea da Kim Kardashian não é tão grande como a que representa a cara deste operador.

“O rinoceronte é uma espécie de quê? Tipo topo de carreira ou assim?”, diz o Operador

Elas respondem: “a partir daqui é só entrares no espírito”

Para bem da saúde mental, desliga-se o cérebro e aciona-se o botão de acenar com a cabeça e por isso há poucas recordações das conversas seguintes mas envolvia palavras soltas como “project manager”; “team leader”; “Rinocerontes”; “trocas de casais”; “liderança”… todo um glamour, portanto!

Regressados ao escritório onde chegam os bacanos todos, obviamente super bem vestidos com ar de serem acionistas da Galp e com malinhas de executivos, depois de um dia a venderem cenas, que deixa de ter importância o que é, porque na cabeça deles eles são tipo “team leaders” top cenas e “project” não-sei-quê com bué responsabilidade e mega entendidos em liderança e assim. 

Entendem?

Somos dirigidos para uma salinha onde pedem para preencher uma avaliação (que devia ser para avaliar a cachopa do Rinoceronte e por isso tenta-se não dizer que não se fez boi e apenas se esteve num café). Enquanto isto, obviamente que eles se cumprimentam todos com o cumprimento só deles, né? com gritos tipo aqueles do ginásio Fitness Up, de tribo e assim.

A quarentona ex-enfermeira super-líder chama e segue a transcrição do máximo que este operador se lembra:

Não-sei-Quem: Então, gostaste desta experiência?

Operador: Gostei, foi giro.

Não-sei-Quem: Estas pessoas não desistem e nenhuma delas tiram menos que o salário mínimo.

Operador: Admirável de facto!

Não-sei-Quem: Achas que tens capacidade para ingressar na nossa equipa?

Operador: Acho que tenho sim.

Não-sei-Quem: Eu sei que não estavas à espera, mas já falei com a “miúda do Rinoceronte” e realmente tu superaste as expectativas. Este lugar é teu. Queres ficar?

Operador: Não, obrigada!

Não surpreende que a senhora ficasse um niquinho ofendida com a frase carregada de negação, mas educadamente este operador elucidou que aquele não seria o percurso que queria de momento. Ao que ela responde:

Não-sei-Quem: Não vais conseguir. Estudos revelam que a nossa estrutura será o futuro e que 80% dos novos trabalhadores terão a sua projeção de carreira assim.

Operador: Talvez. Eu para já vou tentar fazer parte dos outros 20%.

Seria necessário este operador estar sob o efeito de estupefacientes muito lixados, daqueles com siglas que nem dá para dizer para achar que o grande apogeu da sua carreira seria um Rinoceronte dourado no peito. E a luta do seu dia-a-dia seria chegar um dia e dizerem “é o dia do teu Rinoceronte”.

Não, obrigada.

Bem, passou-se mais de uma década desde esta história e este operador tem a certeza que os catraios de 25 ou 35 anos que estão por baixo de casa naquele estabelecimento, todos de fato e gravata, de malinha toda executiva, com um ar de quem acabou de adquirir a Sonae, são mais que as mães, e de certeza que não cabem todos naquela loja, que se despedem uns dos outros com gritos de chimpanzé e dizem “Tamu junto”, estão ansiosos por receber um Rinoceronte ou outro mamífero qualquer dourado.

Mistério resolvido, obrigada!

Operador Um.

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