A Arlete e a aquilo que se passa na Ucrânia.

A Arlete tem cerca de cento e oitenta e sete anos e já trabalha no departamento administrativo há sensivelmente duzentos anos. Traz consigo um vasto conhecimento de calculadoras com papeis, teclados do tempo das máquinas de escrever e diz o mito urbano que houve tempos que sabia muito bem comunicar por telegrafo e sinais de fumo. Com o tempo especializou-se nas relações interpessoais e por isso o mais espectável era que os recursos humanos fossem o sector onde mais mostrasse as suas capacidades.

A dedicação da Arlete não tem limites e a entidade patronal não a dispensa por nada. É um facto que já devia estar aposentada há mais ou menos setenta e três anos – tendo em conta os descontos para a Segurança Social – mas este operador sabe que intervieram para que os serviços dela fossem perlongados no tempo.

Há quem a trate por Letinha, é giro, não é? Por que apesar da idade avançada gera-se de forma instintiva um doce carinho por esta senhora.

Temos que lhe dar os devidos descontos de personalidade, assim como assim, ainda foi educada no tempo em que se incendiavam senhoras em praça pública por se ver um nisquinho do tornozelo… temos… melhor, DEVEMOS ser compreensivos porque a Letinha é voz do povo operário.

Nunca faltou um pagamento a estas pessoas trabalhadoras, esforçadas que trabalham de sol a sol… todos os meses a Letinha no alto da sua bondade empenha-se para que de forma justa seja distribuída aquela sandes de restos do que houvesse – pagamento íntegro que cada operário merece, sem exceção… a não ser que não seja caucasiano. É que com a idade, começou a ficar com uma miopia gravíssima e quando eram assim mais para o escurinho, olhos rasgados, etc a Letinha passa e nem os vê. Mas ninguém leva a mal…. Só o sorriso dela vale todos os pagamentos.

Há por aí uma lenda que em 1679 houve um senhor que apenas lhe pediu um chi-coração. Não é bonito? Mas vamos lá ver… Também confiança tem hora… a Letinha aí passava a ser Arlete, porque ela tinha uma posição. Deu-lhe um “passou bem” e só por aqui vemos o profissionalismo.

(só um segundo, que este operador está ligeiramente emocionado)

Um hábito que a Letinha tem é criar uma empatia de imediato com todo o mundo… homem ou mulher, alto ou baixo, novo ou velho… para a Letinha são todos “filhinhos”. Dá aquele quentinho no coração! A não ser que não seja caucasiano… Porque no fundo ela entende de genética e essas ciências mais exatas e sabe que a sua vagina não teria a aptidão para rebentar um escurinho, ou olhos rasgados, ou amarelos ou outras cores… e é injusto… a Letinha é e sempre será justa.

Chega a ser emocionante ver a Letinha com as crianças da sua família… este operador até decorou os nomes: o Salazar – ela trata-o por Sali – o Adolfo – é um castiço – o Maduro – ui esse é todo querido e até faz desenhos de banda desenhada, e o Franco – esse ela vê menos vezes que foi trabalhar para Espanha…. Parece que é lá diretor.

Tem dificuldade em falar estrangeiro e é por isso, apenas e isoladamente por isso, que encosta as suas preferências para operários nacionais. Como poderia ela dar todo o seu amor e verbaliza-lo se é incapaz de falar estrangeiro? Vai facilitando uma vez por outra… mas nunca esqueçamos do problema de miopia gravíssimo que ela tem e a dificuldade de ver pessoas e conseguir pagar a sandes! Um problema e ela gosta de ser profissionalíssima… maneiras opta-se pelo português de Portugal… menos capaz e tal, mas pronto, que interessa isso?

A cabeça da Letinha explodiu recentemente com uma coisa que ela nem entendeu muito bem, mas ao que parece um senhor – que diga-se que muito bem-parecido – que vive não sei lá onde mandou-se para a Ucrânia. E muito bem… porque as pessoas vão para onde querem ir, não é verdade? Só que parece que as pessoas lá desses do Leste e isso, estão a sair de lá (não aguentam nem um abanãozinho também) e há patrões e senhores que mandam que querem trazer essas pessoas para cá para Portugal… que escândalo! A Letinha anda numa azáfama! Anda a tentar de tudo para que isso não aconteça, porque é verdade que são branquinhos, mas não se entende nada do que eles dizem, vem de lá todos sujos…. Tem que haver o mínimo de bom senso.

A Letinha não é de ir contra o que os senhores patrões dizem e até os respeita muito muito muito… mas este operador sabe que ela anda assim meio que a dificultar os processos, mas que se note que é tudo em prol da empresa.

É com cada escandaleira!

Enquanto isso, nós no Operandi andamos em operações sem modo a ver se ajudamos esses branquinhos de Leste a serem mais felizes longe da Arlete.

Operador um.

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